Outro dia estava tomando uma cerveja
com uma amiga minha no Crato e ela fez um comentário interessante sobre o porquê
de os cearenses serem (ou pelo menos tentarem ser) engraçados. Segundo ela, é
uma questão de poder.
Faz sentido. Criatura destrambelhada
e cidadão de um lugar pobre, o homem cearense tem pouco a oferecer ao mundo em
termos de charme pessoal. Mas quando ele consegue fazer alguém rir –
intencionalmente, digo –, ele deixa de ser essa criatura mal-desenhada – feita,
talvez, às pressas pelo Criador – e se transforma num ser interessante, capaz
de tiradas espirituosas sobre a vida, a sociedade e, para citar o caso mais
emblemático, a semelhança entre o destino do corno e o do jumento.
Tornar-se o centro das atenções pelo
riso é uma maneira sutil de conquistar o apreço das pessoas e, assim, ganhar
poder sobre elas. Não que isso seja um cálculo: é quase espontâneo
com um ser que já era meio risível antes de empenhar-se para tal. Mas acontece,
e não é incomum ver algum metido a engraçadinho se esforçando de maneira quase
histérica para provocar riso – ás vezes com efeito oposto ao desejado. Talvez
seja uma maneira de se libertar da mediocridade.
A relação entre humor e poder é tão
íntima que não raras vezes o riso pode se transformar em puro exercício de
sadismo. Falo com a experiência de quem já escreveu uma ou duas sátiras: não há
maneira mais fácil de fazer rir do que ridicularizar alguém. Quando se faz
isso, diminui-se o valor de quem é alvo das piadas, questiona-se, inclusive,
sua credibilidade enquanto sujeito. Insuportáveis como sejam, os defensores do
pensamento politicamente correto perceberam esta verdade: por trás de muita
gracinha esconde-se o exercício do menosprezo. E todo um ramo do humor
desenvolve-se em cima disso: do ridicularizar o estrangeiro, o homossexual, a
loira, o negro, o feio.
O humor pode ser cruel, mas claro
que nem todo humor é assim. Uma das grandes virtudes dos piadistas cearenses é
justo sua capacidade de rir de si mesmo. Pessoalmente acredito que esse é um
gesto magnânimo: mais do que um indicativo de inferioridade, essa
auto-depreciação é sinal de um desprendimento em relação às dificuldades da
vida. Pois o que é a pobreza, a secura da terra e a falta de oportunidades para
quem é capaz de rir do próprio sofrimento? Só um espírito livre seria capaz
disso, e mais uma vez percebemos que o humor está relacionado ao poder, sendo
que aqui já não se trata mais de um poder que se exerce contra a liberdade de
outra pessoa, mas um que se afirma como a falta de constrangimentos ao pensar e
ao agir.
Nesse sentido, o humor é um poderoso
instrumento ao alcance do homem para se situar nesse universo esquisito. Nós,
que estamos sujeitos ao acaso, podemos relativizar o peso do destino sobre
nossas vidas ao rir de nossas misérias. E assim nós nos tornamos livres, pois
que terrível poder será esse que escapará ao nosso riso destrambelhado, ainda
que seja um riso no leito de morte?
Minha amiga estava certa. Não há
império sobre a Terra do qual não possamos rir, e enquanto nós formos capazes
de esculhambação, resistiremos.
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