segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Fábula: O Gato e o Burocrata





            Na República de Ultrajânia, havia um burocrata que trabalhava muito.  Todos os dias ele saía cedinho e só voltava à noite, cansado e sem disposição para fazer mais nada.
            Esse burocrata possuía em sua casa um velho bichano, gorducho e incrivelmente preguiçoso. Várias vezes o burocrata havia saído pela manhã e visto o gato deitado em cima de uma confortável almofada sobre o sofá. Ao retornar à noite, o funcionário encontrava o felino exatamente como o havia deixado, cochilando em cima daquela almofada. 
            – Ora, mas que mandrião! Como ele consegue passar o dia inteiro aí deitado, sem fazer nada?
            Ao ouvir seu mestre falar tais bobagens, o gato apenas bocejava, espreguiçava-se um pouco, e logo voltava a dormir.
            Com o passar dos dias, o trabalho do burocrata foi se tornando mais aborrecido, e ele pouco a pouco foi se transformando num homem cada vez mais infeliz. Ao ver seu gato enrolado em cima do sofá, num cochilo gostoso entre uma refeição e outra, ele não conseguia evitar uma pontinha de inveja.
            Certa segunda-feira, porém, numa manhã especialmente friozinha, na qual o burocrata sabia que teria de realizar tarefas especialmente aborrecidas, ele não resistiu e bradou:
            – Com mil diabos! Isso é lá vida! Antes ficar aqui deitado no sofá o dia inteiro, feito essa bola de pelos inútil aí.
            Acontece que justo nesse instante, estava passando por ali, disfarçada de muriçoca, uma fada madrinha daquelas bem corocas e moralistas. Ao ouvir a maldição do burocrata, ela quis ensinar-lhe uma lição.
            – Vejam só! – pensou a fada madrinha – Esse aí está reclamando de barriga cheia. Diz que preferia ser um gato doméstico, mas não imagina quão entediante seria passar o dia inteiro aí nesse sofá, sem fazer nada!
            Para que o burocrata aprendesse a valorizar a dádiva de ser um homem, ela usou sua varinha de condão e transformou-o num gordo e bigodudo bichano. Ao mesmo tempo ela transformou o gato em burocrata – e qual não foi a surpresa do animal ao ver-se subitamente transformado em homem, com uma gravata em torno do pescoço e uma série de pequenas preocupações práticas na cabeça!
            O que a fada madrinha não esperava era que o burocrata – agora transformado em gato – simplesmente adorou a mudança! Ele finalmente pôde realizar seu sonho de passar a tarde inteira dormindo, rolando para lá e para cá numa almofada fofinha, espiando o céu de vez em quando pela janela, e sem se preocupar com caprichos de chefes mal-humorados!
Depois de um mês – prazo que a fada madrinha havia suposto ser suficiente para mostrar ao burocrata como seria aborrecido ser um gato doméstico – ela voltou até aquele apartamento e disse para a vítima de seu feitiço:
            – Meu filho, espero que você tenha aprendido uma lição. As aparências às vezes enganam, e um conforto indolente que, à distância, nos parece tão desejável pode se revelar, na verdade, uma prisão para o corpo e a mente!
            – Cala a boca, velhota! – respondeu o burocrata, na língua dos felinos. – Não vê que está na hora do meu cochilo? – E, depois de dar uma patada naquela muriçoca tagarela, ele se enrolou na almofada e voltou a dormir.
            A fada, toda estropiada com o golpe, como castigo pela rudeza do burocrata resolveu deixá-lo viver o resto de seus dias com a forma de animal. Ele adorou, e jamais sentiu inveja de seu novo amo, que a cada dia ficava mais careca e barrigudo.

Moral da estória: Nunca acredite se lhe disserem o contrário: dormir é sempre bom.
             

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