Na
República de Ultrajânia, havia um burocrata que trabalhava muito. Todos os dias ele saía cedinho e só voltava à
noite, cansado e sem disposição para fazer mais nada.
Esse
burocrata possuía em sua casa um velho bichano, gorducho e incrivelmente
preguiçoso. Várias vezes o burocrata havia saído pela manhã e visto o gato
deitado em cima de uma confortável almofada sobre o sofá. Ao retornar à noite,
o funcionário encontrava o felino exatamente como o havia deixado, cochilando
em cima daquela almofada.
–
Ora, mas que mandrião! Como ele consegue passar o dia inteiro aí deitado, sem
fazer nada?
Ao
ouvir seu mestre falar tais bobagens, o gato apenas bocejava, espreguiçava-se
um pouco, e logo voltava a dormir.
Com o
passar dos dias, o trabalho do burocrata foi se tornando mais aborrecido, e ele
pouco a pouco foi se transformando num homem cada vez mais infeliz. Ao ver seu
gato enrolado em cima do sofá, num cochilo gostoso entre uma refeição e outra,
ele não conseguia evitar uma pontinha de inveja.
Certa
segunda-feira, porém, numa manhã especialmente friozinha, na qual o burocrata
sabia que teria de realizar tarefas especialmente aborrecidas, ele não resistiu
e bradou:
– Com
mil diabos! Isso é lá vida! Antes ficar aqui deitado no sofá o dia inteiro,
feito essa bola de pelos inútil aí.
Acontece
que justo nesse instante, estava passando por ali, disfarçada de muriçoca, uma
fada madrinha daquelas bem corocas e moralistas. Ao ouvir a maldição do
burocrata, ela quis ensinar-lhe uma lição.
– Vejam
só! – pensou a fada madrinha – Esse aí está reclamando de barriga cheia. Diz
que preferia ser um gato doméstico, mas não imagina quão entediante seria
passar o dia inteiro aí nesse sofá, sem fazer nada!
Para
que o burocrata aprendesse a valorizar a dádiva de ser um homem, ela usou sua
varinha de condão e transformou-o num gordo e bigodudo bichano. Ao mesmo tempo
ela transformou o gato em burocrata – e qual não foi a surpresa do animal ao
ver-se subitamente transformado em homem, com uma gravata em torno do pescoço e
uma série de pequenas preocupações práticas na cabeça!
O que
a fada madrinha não esperava era que o burocrata – agora transformado em gato –
simplesmente adorou a mudança! Ele finalmente pôde realizar seu sonho de passar
a tarde inteira dormindo, rolando para lá e para cá numa almofada fofinha,
espiando o céu de vez em quando pela janela, e sem se preocupar com caprichos de chefes mal-humorados!
Depois de um mês – prazo que a fada
madrinha havia suposto ser suficiente para mostrar ao burocrata como seria
aborrecido ser um gato doméstico – ela voltou até aquele apartamento e disse
para a vítima de seu feitiço:
– Meu
filho, espero que você tenha aprendido uma lição. As aparências às vezes
enganam, e um conforto indolente que, à distância, nos parece tão desejável
pode se revelar, na verdade, uma prisão para o corpo e a mente!
–
Cala a boca, velhota! – respondeu o burocrata, na língua dos felinos. – Não vê
que está na hora do meu cochilo? – E, depois de dar uma patada naquela muriçoca
tagarela, ele se enrolou na almofada e voltou a dormir.
A
fada, toda estropiada com o golpe, como castigo pela rudeza do burocrata resolveu
deixá-lo viver o resto de seus dias com a forma de animal. Ele adorou, e jamais
sentiu inveja de seu novo amo, que a cada dia ficava mais careca e barrigudo.
Moral da estória: Nunca acredite se lhe disserem o
contrário: dormir é sempre bom.
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