quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O Mundo como Vontade e Representação?




                O pensamento de Schopenhauer é intrigante. A primeira das proposições de seu monumental livro é fácil de entender: o mundo como Representação nada mais é do que a filosofia kantiana. Nossa experiência da realidade necessariamente passa pelos sentidos, o que significa que jamais podemos intuir os objetos enquanto tais – enquanto coisa-em-si – mas apenas percebê-los como fenômenos (enquanto impressão sobre nossas faculdades sensoriais).
                Mas que o mundo seja Vontade... já é menos óbvio. Se alguém se aventurasse a ler Schopenhauer logo depois de ter lido Nietzsche, possivelmente suporia que a ideia de um mundo como Vontade é a expressão de uma filosofia irracionalista – menos preocupada como o método do que com a capacidade expressiva da teoria de dar conta de um mundo em que todos parecem estar numa eterna luta contra todos. Isso seria um erro, pois ainda que Schopenhauer tenha, de fato, influenciado toda uma vertente irracionalista do pensamento europeu, ele é na verdade um kantiano, ou seja, um filósofo profundamente preocupado com o método.
                Como, então, ele chegou a conclusão tão pouco evidente sobre a verdadeira essência do mundo? O caminho que ele percorreu é fascinante – talvez valha a pena tentar reproduzi-lo aqui, resumidamente.
                A misteriosa janela pela qual conhecemos o mundo da Vontade é, segundo Schopenhauer, nosso corpo. Entenda-se, nós também o percebemos como um fenômeno: se olho para baixo, posso ver as minhas mãos e minhas pernas, do mesmo podo que posso visualizar as mãos e pernas de outra pessoa. Ou seja, o corpo também é, para nós, representação, do mesmo modo que tudo o mais de que temos conhecimento.
                Porém não é apenas representação. Nossa relação com o corpo nos permite uma intuição imediata, diferente das que temos em relação aos outros objetos. É uma ligação íntima, como se possuíssemos uma consciência firme de nosso próprio ser, como se pudéssemos conhecer a coisa-em-si de nós mesmos. E, segundo Schopenhauer, é essa intuição que nos permite entender que o corpo é, na verdade, a objetidade da Vontade, a manifestação enquanto fenômeno de nossa essência última. Para nós é fácil perceber, enquanto sujeitos, que somos tanto representação como Vontade.
                O fascinante da filosofia de Schopenhauer é que ele não se contenta com essa percepção. Tendo descoberto que a Vontade é o fundamento metafísico de nosso ser individual, o filósofo a projeta no universo inteiro – esse que se apresenta aos nosso olhos como imagem, aos nosso ouvidos como som, mas jamais como conhecimento imediato. Ou seja, a conclusão de Schopenhauer é a de que a Vontade não é apenas o fundamento dos homens, o sequer dos animais e das plantas, mas de tudo o que existe: dos astros que se atraem pela lei da gravidade, da bússola que aponta para o norte por efeito do magnetismo, dos corpos que passam a se movimentar após um impacto! Resumindo: a Vontade é a coisa-em-si kantiana!
                Eu confesso que, pessoalmente, não estou convencido da legitimidade filosófica desse salto. Não seria isso a projeção de nossa subjetividade no universo? Não seria uma extrapolação da consciência humana? Ou seja, não estaria Schopenhauer supondo, sem possuir fundamento para tanto, que sujeito e objeto possuem, como fundamentação metafísica, a mesma propriedade?
                Mas, se não tenho como provar que Schopenhauer estava certo, também não tenho como provar que ele estava errado. E não é fascinante imaginar – nem que apenas como um exercício intelectual – que ele possa estar certo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário