Por Eduardo Siebra
"Uma
Aventura Lego" é um fenômeno cultural interessante. Não é todo dia que se
assiste a um filme infantil com uma mensagem tão carregada sobre a necessidade
de o ser humano tornar-se protagonista da própria vida.
Qualquer
consideração sobre a animação precisa partir do reconhecimento de que ela é
uma superprodução hollywoodiana, custeada por investidores que estão preocupados
com o retorno financeiro que o filme possa lhes trazer. Além disso, a Lego é
uma empresa, e para ela o filme é uma forma de promover sua marca.
Não
são poucos os exemplos de megaproduções em que se nota que os autores tiveram
muita autonomia criativa. A explicação é simples: transgressão e criatividade não
são incompatíveis com rentabilidade. Um investidor inteligente pode apostar num
diretor ousado se acha que sua ousadia pode se tornar um fator de sucesso numa
produção. Os empresários não possuem nenhuma relação de lealdade com
os valores expressos pelo capitalismo. Não há nada de surpreendente, portanto, em ver filmes tão
críticos quanto os de Michael Moore sendo lançados no circuito comercial: desde
que o dinheiro esteja entrando, pouco importam as críticas contra o sistema.
Ainda
assim, "Uma Aventura Lego" surpreende. O personagem principal é uma
figurinha genérica e sem muito brilho, que se vê diante da possibilidade de
adquirir uma personalidade quando o vilão do filme – o Sr. Negócios, arquétipo
do grande empresário americano – elabora um estratagema para literalmente colar
cada pessoa no lugar que ela ocupa na sociedade. Essa metáfora esquemática é
desenvolvida quase que com um senso de missão pelos diretores, que não hesitam
em introduzir na trama elementos de crítica social, reflexões sobre o consumo e
a manipulação midiática, discussões sobre níveis de realidade, misticismo e até
mesmo arquétipos e uma noção de "chamado da aventura", à moda do monomito de Joseph Campbell. Trata-se de
um filme deliberadamente didático, que dialoga muito mais com o adulto que
levou seu filho para o cinema do que com a criança que está interessada nas
figurinhas. É um filme que leva sua mensagem muito a sério, como se ele
possuísse o dever de mostrar às pessoas o que precisa ser feito para escaparmos
dos riscos que estão sendo engendrados por nossa sociedade.
Talvez o sucesso da série
"Matrix" explique, em parte, a receptividade a uma produção assim. As
plateias já foram educadas pelos irmãos Wachowski a aceitar escabrosas
meditações fenomenológicas num blockbuster de verão. Respeitando-se o pacto de
que o entretenimento continua sendo o derradeiro objetivo da ida a um multiplex,
não se considera mais absurdo nem mesmo o uso do cinema para transmitir
mensagens políticas e anti-conformistas em obras essencialmente comerciais. Na verdade, filmes assim talvez atendam a uma
demanda psicológica inconsciente do grande público. Apesar dos consolos do consumo,
o desenraizamento da vida pós-moderna, associado ao medo da aniquilação
individual e coletiva, tornam palpável um sentimento de apreensão mesmo a
pessoas pouco politizadas. Sentimo-nos inseguros por intuirmos males por
debaixo de nossa civilidade duramente preservada.
Apesar
de sua mensagem otimista e de seu ritmo frenético, "Uma Aventura
Lego" é claramente fruto dessa inquietação. É a manifestação
otimista do mesmo pavor que está por trás da proliferação de
tantos filmes sobre catástrofes ou sobre mortos-vivos canibais e sem cérebro. A
diferença é apenas de tom: enquanto o filme de zumbi aceita o mal como inevitável, "Uma Aventura Lego" insiste na capacidade individual de
criatividade e resistência. Mas ambas criações reconhecem a realidade da
ameaça: nossa liberdade está cerceada, nossa condição de sujeito ameaçada por
uma série de obstáculos à plena realização da personalidade
humana. Nossa mente está anestesiada e distraída, e a reação a isso precisa acontecer
com sentido de urgência, pois caso contrário corremos o risco de assistirmos a
uma regressão das formas de sociabilidade.
Suponho que seja por isso que a
animação carrega tanto na elaboração de sua metáfora: os autores acham legitimo
usar todos os recursos narrativos e gráficos ao seu alcance para levar adiante
o que acreditam ser um catecismo sobre a conquista da consciência. Vamos convir, apenas uma sociedade muito
assustada faz com que uma diversão tão leviana quanto uma animação para crianças
se transforme numa parábola sobre a salvação da humanidade.
Não
estou, com isso, criticando o filme enquanto criação artística. Gostei da
animação e pessoalmente achei curioso o debate intelectual. Até concordo com o
lero-lero: acho que precisamos mexer nossos traseiros e fazer algo a respeito
do mundo em que vivemos. O que é intrigante não é o conteúdo do filme, mas sim
seu aparecimento enquanto produto cultural de massa. Chega a ser assustador,
apesar de todas as cores e de toda a jovialidade. No fundo, é uma expressão do
desespero: o desespero de saber que, apesar de necessário e verdadeiro, e credo
sobre a autonomia do homem não é mais digno de atenção nos círculos
"sérios", ou seja, adultos. E se a sociedade não dá mais ouvidos aos
que clamam por uma retomada da história nas mãos das pessoas comuns, então
realmente só resta desabafar para as crianças, na esperança de que elas sejam
capazes de captar a mensagem entre um bichinho engraçado e uma explosão de
bloquinhos.
A ironia é que depois de terem visto o filme, mesmo os que
aceitam a propriedade das críticas irão, com toda probabilidade, voltar para a
velha vidinha besta de sempre, enquanto a sociedade lentamente rola para o
beleléu.
Muito bom. Fiquei com vontade de assistir ao filme. O problema de morar num sítio é não ter cinema por perto.
ResponderExcluirExcelente escolha para um tempo divertido!Efeitos de animação no filme foram surpreendentes. Pessoalmente, eu gostei da personagem de Batman, o ator que interpreta Will Arnett .Uma história fantástica, é de família muito agradável.
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